segunda-feira, 23 de abril de 2007

Conversas de Herbário: "I only ask of God, he won't let me be indifferent to the injustice..."


Theobroma grandiflorum (cupuaçeiro)
(Foto extraída de http://www.biopirataria.org/)


Inia geoffrensis, golfinho-roaz ou boto
(Foto extraida de http://www.saudeanimal.com.br/)

Pode apresentar-se, por favor?
O meu nome é Ana Marceli Souza. Sou brasileira e moro no Estado de Roraima, situado na região norte do Brasil.

O que faz?
Sou Advogada. Trabalho como Assessora Jurídica do Centro Educacional e Social da Consolata e da Diocese de Roraima. Colaboro com alguns movimentos sociais ligados ao "Nós Existimos" (Associação que luta pela vida, cidadania e justiça social) . Colaboro também com algumas organizações indigenistas entre as quais a Comissão Pró-Yanomami e organizações Indígenas: Hutukara Associação Yanomami .
Faço palestras sobre Educação Ambiental (90h) aos alunos do Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, bem como palestras nas periferias da Cidade de Boa Vista-RR sobre Voto Ético, Violência doméstica, Direito de Família, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatudo do Idoso e outros temas necessários à conscientização das pessoas menos favorecidas.

Porque escolheu essa profissão? Como chegou até ela?

Foi uma decisão difícil. Estudei bastante. Dividi o meu tempo priorizando sempre os estudos, sem, contudo, prejudicar os meus momentos de lazer e o convívio familiar.
Escolhi a minha profissão partindo do princípio de que não poderia pensar somente em mim, em ganhar dinheiro ou fama. Desejava fazer a minha parte na construção de um mundo melhor, mais justo, digno e humano.
Depois de graduada, percebi que não poderia ficar sentada atrás de uma secretária a despachar processos e atender clientes. Queria fazer algo mais. Desejava compartilhar os meus conhecimentos com os menos favorecidos e os excluídos.
Um amigo meu, que é Padre da Congregação da Consolata, trabalhava na área indígena. Na data de 06 de janeiro de 2004 ele foi seqüestrado por um grupo de pessoas que defendia a permanência de ocupantes não índios dentro da reserva indígena.
Os Missionários da Consolata resolveram contratar-me para acompanhar os inquéritos policiais e propor as ações judiciais que fossem necessárias. Esse foi o despertar da minha carreira, pois, a partir daí, comecei a ter contato com os membros do " Nós Existimos", com o Centro de Atendimento aos Migrantes e Indígenas na Cidade ( CAMIC) e com Advogada Joênia Batista Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR).

Que dificuldades sente a exercê-la?
Somos apenas 3 ou 4 advogados que estão envolvidos com a causa das minorias (trabalhadores rurais, migrantes, indígenas etc). É muito trabalho e são poucos os trabalhadores.
Temos que lutar contra toda uma concepção preconceituosa ainda presente na sociedade local em relação aos migrantes, indígenas. É muito difícil fazer entender que ao lado da nossa cultura existe outra igualmente importante e que precisa ser respeitada para fins de uma coexistência harmoniosa. Temos muito a aprender uns com os outros.

Já foi ameaçada? Conte-nos, se possível, uma situação “difícil”.

Eu, particularmente, não sofri ameaças, mas já fui difamada.
A minha família já foi ameaçada de morte por causa do trabalho do meu marido, que é Promotor de Justiça e atua no combate contra a corrupção. Já tive que me esconder na casa de amigos em virtudes de investigações por ele realizadas. Somos obrigados a restringir o nosso círculo de amizade, pois não podemos confiar em todos os que de nós se aproximam.
Na minha atuação algumas vezes em finais de semana, feriados, noites e madrugadas recebi notícias de violências. Por exemplo, na madrugada de setembro de 2005 fui acordada às 5:30 horas pelos missionários que informaram o incêndio criminoso no Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, antiga Missão Surumu.

E quais são para si as compensações, ou seja, porque se realiza nesse tipo de trabalho?

Sinto-me útil em dar voz àqueles que não têm vez na sociedade, cujos apelos não chegam ou não são escutados pelos representantes que estão no Poder. Através do meu trabalho as pessoas passam a ter conhecimento dos seus direitos e aprendem a reivindicá-los. Eu faço a minha parte para melhorar a sociedade em que vivo. E vocês?

Como é viver na Amazónia?

É maravilhoso. Sou parte dela. Nasci no Estado do Amazonas, na cidade de Manaus. Próximo de Manaus acontece o chamado Encontro das Águas ( do rio Negro com as do Solimões - nome inicial do Rio Amazonas). Neste encontro as águas não se misturam. É um espetáculo.
Quando estamos a caminho para ver o encontro das água é comum sermos seguidos pelos botos tucuxi (de cor cinza) ou pelos conhecidos botos "cor de rosa" (na realidade são avermelhados e não rosa).
As frutas são maravilhosas. A que mais gosto é o CUPUAÇU.
Moro no Estado de Roraima . As características da vegetação diferem das existentes no Amazonas. Ainda encontramos as matas fechadas mas também os cerrados, com pastagens naturais, e regiões montanhosas.
Sempre que estou cansada, paro e ponho-me a olhar o céu azul, as variações do verde das árvores, o colorido das flores. Ponho-me a ouvir os cantos dos pássaros e o barulho do vento a bater nas copas das árvores. Gosto de ver os rios. Isso é relaxante.
No inverno, gosto de sentir o cheiro da terra e do mato molhados ... gosto de ouvir o barulho da chuva.
É preciso tirarmos um tempinho para apreciar a natureza, onde quer que estejamos. Aqui em Portugal tenho o costume de olhar a paisagem quando estou no comboio ou nos parques. E vocês?

Como são os povos indígenas que conheceu?

Os indíos são como nós. Brasileiros como Eu. São sábios e possuem tradições e culturas belíssimas. Possuem uma estrutura social muito organizada, as decisões são tomadas coletivamente. Os idosos são respeitados e considerados os mais sábios da comunidade pela experiência de vida. O pensamento é coletivo. Tudo é de todos. Sabem conviver com o meio ambiente.
Todos os que conheci exigem de nós RESPEITO. Desejam que respeitemos suas culturas, tradições, línguas. Querem ver respeitada a sua dignidade como ser humano e garantida a posse das terras onde vivem.
Tenho amigos índios que estão na universidade cursando Direito, Letras, Administração. Sei de alguns que estão cursando Mestrado e Doutorado. A Joênia, advogada do CIR é indígena. Tenho muito respeito e admiração por todos eles, principalmente pela perseverança para continuarem firmes diante das dificuldades e da capacidade em superar os obstáculos.
Quem tiver maior interesse em saber um pouco mais sobre os povos indígenas podem acessar os seguintes sites:
www.cir.org.br
www.cimi.org.br
www.proyanomami.org.br
www.isa.org.br

Que diferenças encontra entre eles e nós, europeus?

As mesmas que encontro entre os Portugueses e os Alemães (na Europa) ou entre os Japoneses e os Chineses (na Ásia). Somente a cultura, a tradição e algumas características físicas.

O que significa, para si, “Direitos Humanos”?

Darei apenas uma visão geral, não técnica sobre o tema. Trata-se do direito que se diz pertecer a todos os seres humanos, independente da nacionalidade, raça, sexo... São os nossos direitos fundamentais à vida, à integridade física, à propriedade, à liberdade (expressão, religião etc) entre outros. Como diz a Professora Flávia Piovesan - " os direitos humanos não são um dado, são construídos."

São respeitados na Amazónia?

Os movimentos sociais e as organizações indígenas e indigenistas estão trabalhando para que sejam respeitados.

Como “prevê” o futuro dos povos indígenas do Brasil?

Espero que tenham conquistado o respeito que tanto almejam. Espero que lhes seja garantida e reconhecida a posse das terras onde vivem. Que os atos de violência (física e moral) dos quais são vítimas deixem de ocorrer... Prevejo ainda um longo caminho a percorrer até conquistarem os objetivos.>

O que desejaria para o seu país, mais concretamente para a sua região?
Para o Brasil - Igualdade social, menos violência e corrupção.
Para a minha região - Respeito aos direitos dos povos indígenas e aos ribeirinhos. Respeito ao meio ambiente.


Ana Marceli Souza

Nota: O titulo deste post foi retirado de uma musica dos OUTLANDISH - "I only ask of god" ( lyrics by Desy Honey)

4 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Muito bem meninos... mas isso de andar a escrever em inglês não é muito simpatico...lol Agora estamos a espera de um comentário no nosso blog...
***V@n&ss@***

30 de abril de 2007 às 13:19  
Anonymous Anónimo disse...

Sim, provavelmente por isso e

21 de novembro de 2009 às 04:01  
Anonymous Anónimo disse...

Gostaria de corrigir a informação desse post. O nome científico do Boto-rosa (que aparece na foto) é Inia geoffrensis.

16 de dezembro de 2009 às 18:11  
Blogger herbário disse...

Caro leitor, muito obrigado pela sua informação. Disponha sempre, Adubinhos

16 de dezembro de 2009 às 20:53  

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