Uma pequena aldeia na zona de Same, Timor
(cortesia de Olívio Paulo)
Pode apresentar-se, por favor?
Chamo-me Olivio Paulo de Deus e sou Timorense. Vim para Portugal em 2001 e actualmente estou no último ano do curso de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Pode dar-nos uma "imagem" do povo de Timor-Leste, caracterizá-lo para nós, alunos portugueses do secundário, que estamos tão longe?
Timor-Leste viveu durante séculos sob ocupação estrangeira, Portugal e Indonésia, respectivamente. Em 1999, após muitos anos de uma longa luta, teve oportunidade de decidir o seu futuro através dum referendo patrocinado pela ONU (Organização das Nações Unidas) onde a esmagadora maioria do povo decidiu optar pela Independência. Passou por um período de transição sob administração das Nações Unidas e em 20 Maio de 2002, tornou-se o primeiro país soberano, livre e independente do século XXI. O povo timorense é um povo simples, humilde e preserva com muito orgulho a cultura e tradição que herdou dos seus antepassados. As pessoas são simpáticas e têm um espírito de vida mais comunitário, social.
Apesar de estar a milhares de quilómetros da terra lusitana, Timor-Leste partilha com Portugal muitas coisas em comum devido à presença portuguesa durante quatro séculos e meio na ilha, também conhecida (por lenda) como a “Ilha do Crocodilo”. O povo timorense tem em comum com o povo português a mesma língua oficial, os mesmos nomes próprios (por ex. João ou Maria), a mesma religião principal (Católica), podendo utilizar-se a designação “Povo-Irmão", para mostrar o forte laço que une os nossos dois povos.
O que recorda da vida em Timor durante o período de ocupação Indonésia?
Em relação à vida dos timorenses durante a ocupação Indonésia, existiram os dois lados, bom e mau. Poucos dias depois da Fretilin ter declarado unilateralmente a independência, a Indonésia invadiu e ocupou Timor-Leste no dia 7 de Dezembro de 1975 sob o pretexto do comunismo.
Durante a presença da Indonésia, sob o ponto de vista económico, Timor-Leste passava por uma fase de franco desenvolvimento, nunca antes experimentado. Foram construídas infra-estruturas necessárias que permitiram uma melhoria da vida da população, a percentagem do analfabetismo caiu drasticamente: grande número dos jovens teve acesso à escola, incluindo ensino superior. Também se verificou um desenvolvimento dos meios de comunicação, permitindo um aumento do fluxo de mercadorias às populações.
Apesar dos esforços feitos pelos Indonésios, em termos de desenvolvimento, o povo timorense estava fiel ao seu desejo de autodeterminação, de ter um país próprio, soberano e independente. Com muitas dificuldades, este povo travava uma luta contra os seus ocupantes Indonésios, que por sua vez reagiram com todos os meios ao seu alcance, desde meras propagandas politicas até graves violações dos Direitos Humanos:o “Massacre de Santa Cruz” é a prova disso. Estas acções provocaram um sentimento anti-Indonésio ainda maior. Desde então, por melhor que fosse a intenção da Indonésia, esta era vista com desconfiança, os investimentos económicos que posteriormente fez, tornaram-se insuficientes para "matar" o desejo de um povo à autodeterminação.
Devido à persistência e coragem na luta, finalmente, o governo Indonésio abriu possibilidade para uma consulta popular (referendo). O sonho dos Timorenses que antes era considerado como uma mera utopia tornou-se numa realidade, a “Independência”. O povo timorense optou pela separação da Indonésia no referendo do dia 30 de Agosto de 1999. Passado uns dias, a Indonésia abandonou o território, acompanhada de uma acção militar violenta conhecida por “Operação da Terra Queimada”, onde destruiu e incendiou a quase totalidade das infra-estruturas existentes naquela ilha. Foi um acto violento que suscitou a simpatia da Comunidade Internacional para com o povo de Timor. Eu acompanhava a situação na RTP Internacional, em Timor, que me fez saber que aqui em Portugal, também foram organizadas várias manifestações de solidariedade.
E agora? O que mudou?
Depois da saída dos Indonésios, Timor entrou numa fase de preparação, durante 2 anos, sob administração transitória da ONU (Nações Unidas). No dia 20 de Maio de 2002, Timor-Leste restaurou oficialmente a sua independência perdida aos Indonésios há 24 anos, e tornou-se o mais jovem país do mundo. Consequentemente, a independência politica foi novamente conquistada.
Contudo, surgem novos desafios e problemas a nível económico, politico, social, cultural e da defesa, que temos que resolver sózinhos, como um país soberano. Aumento do desemprego, consolidação das estruturas burocráticas, problemas nas Forças Armadas, delimitação das fronteiras com os nossos dois vizinhos gigantes, Indonésia e Austrália, são exemplos, na minha opinião, que levaram o país para a situação onde se encontra actualmente. O governo perdeu capacidade para impôr regras, cada um faz o que quer, as tropas australianas, neozelandesas e portuguesas tiveram de lá voltar novamente para ajudar a restaurar a ordem pública. Foi uma pena, mas não tínhamos opção: em vez de viver em anarquia, é melhor pedir a intervenção da Comunidade Internacional, mesmo que a nossa soberania nacional seja sacrificada.
Como “prevê” o futuro para o seu país e o que mais deseja para ele?
Espero que aprendamos com os erros e falhanços que cometemos no passado, para resolvermos melhor os problemas, e enfrentar os novos desafios que virão no futuro, com mais maturidade.
Estamos num processo de construção do Estado-Nação, que não é nada fácil, antes um processo lento e doloroso, que precisa de muito sacrifício e coragem. O que se passa em Timor não é um caso único: muitos países (não preciso mencionar um por um), passaram por uma situação semelhante ao nosso, depois de obter a sua independência, e durante o processo da construção do Estado. Agora são países estáveis e economicamente fortes.
Por tudo isto, acredito que mais cedo ou mais tarde chegará a vez de Timor, de ter oportunidade de viver em paz, harmonia e em prosperidade.
Os Direitos Humanos são respeitados em Timor-Leste?
Em relação a estas questões, felizmente, Timor-Leste já ratificou todos os protocolos internacionais de Direitos Humanos, sem excepção. Mesmo assim, para o seu cumprimento, é importante criar condições necessárias para que estes protocolos possam ter efeito na sociedade, como, um bom sistema judicial, consciencialização da sociedade sobre a importância dos Direitos Humanos, a liberdade de imprensa e muitos outros. Estamos conscientes de que para consolidar a nossa jovem democracia, a questão de Direitos Humanos, é sem dúvida nenhuma, uma questão fundamental que não podemos ignorar, pois um país que não respeita as pessoas, não é um país democrático.
Olivio Paulo de Deus
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